Não sou feliz. Mas estou.
Márcio Correia
Antes de tudo, eu preciso dizer que tristeza para mim não é antônimo de felicidade. Dito isso, eu não sou feliz. Acredito que por hora não tem como.
Inclusive, esse “eu não sou feliz” seria minha resposta automática se me perguntassem se sou feliz.
Não é um texto melancólico, juro.
É que eu apenas acredito que felicidade é mais sobre estar feliz do que ser feliz. Eventos pontuais. Acontecimentos. Mas que não são passageiros, pois falar isso dá uma sensação de esgotamento. Um sentimento que vai e volta.
Eu acho que eu sempre pensei assim. Nunca mudei minha opinião sobre. E olhe que sou libriano.
Para construir esse texto, fui procurar canções que tinham o mote de nossa reportagem como tema e me lembrei de A felicidade, música de Vinícius de Moraes e Tom Jobim cantada também pelo último. Aliás, sabe o tipo de música que me deixa feliz? Música triste. Desde que me entendo por gente é assim.
De todas as versões (que são muitas) de A felicidade, a que mais mexe comigo é a de Milton Nascimento (nota da editora: a versão de Tom Zé é sublime também). A letra meio pessimista da música contrasta com o tom de voz lento e arrastado de Milton, expressando melhor meu sentimento em relação à felicidade. É meu ideal para ficar feliz, haha.
Qualquer dia desses (Alcione), Mine Again (Mariah Carey), Tudo é Ilusão (Clara Nunes), Speachless (Lady Gaga), Pensando em Você (Babado Novo). Todas compõem a minha ideia de uma playlist perfeita.
Cantar músicas assim me faz abrir os dentes.
Na música, o movimento de ida e volta da felicidade é ilustrado com a efemeridade do sentimento e a constante busca por algo que se faça durar. “Precisa que haja vento sem parar”: uma felicidade cultivada, às vezes esperada, mas que vai passar.
“Vida breve”, pois eterna só a tristeza.
E provavelmente aí esteja a graça da coisa. É que, por ser um fluxo, talvez seja mais fácil lembrar dos momentos felizes. Eu tenho vários. Passaram, mas não se esgotaram e que até se repetem.
Quando vou visitar minha família em Garanhuns eu faço o seguinte: acordo cedinho, vou na casa da minha vó Nana e minha tia-avó Nete (moram juntas) e tomo café da manhã com as duas. Apesar de vó Nete ser aquela tia que pergunta sempre das namoradinhas, a gente supera a pergunta e ri bastante.
Ela não ouve bem, então eu falo uma coisa e preciso repetir até ela entender. Eu digo, por exemplo, “tem bolo?”, e vó Nete responde “sabão de coco?”.
É uma graça. Ela sabe da vida de todo mundo e sua única reclamação é o fígado. Vó Nana sempre insiste que eu coma outro pão com queijo e acha graça eu colocar água no café.
(Uma vez eu vi um vídeo que dizia que, dependendo da quantidade de vezes que você visita seus avós no ano, dá pra saber mais ou menos quantos encontros na vida resta com eles. Chato isso).
Tem um segundo café da manhã quando estou por lá: da casa delas, sigo para casa da minha outra avó, Nilza, e tomo café com ela e meu avô Adelino. Garanhuns é bom por isso, sabe. Tudo pertinho. Na casa deles é bom igual e sempre é o mesmo ritual: ela alfineta meu avô, reclama um pouco da vida, fala sobre o quanto eu como rápido e sobre a água no café.
Esses dias vó Nilza aumentou minha coleção de 3x4 me dando um monte de fotos da família. Colar elas no meu caderninho me deixa feliz (por favor, não ache estranho se eu te pedir uma).
Meu desjejum em Garanhuns sempre é dessa forma. Sempre. E mesmo assim não é repetitivo, não se esgota. Mas vai e volta. Os quatro nunca deixam de mostrar seus cuidados, afetos e preocupações. Ah, e ainda tem aquele dinheiro para o neto depois fazer um lanche, haha.
Nunca foi sobre o café. O fim do evento não me deixa triste. Como na canção, esse é um sopro de vento. E depois, uma espera pelo próximo.
And all I want for Christmas is… peru e vacina.
Eu não sou feliz. Acredito que não tem como.
Mas isso vai além da atual situação. Claro que ela colaborou para um sentimento maior de infelicidade. Mas reflito sobre meu papel no mundo de modo mais amplo e isso me deixa triste. Na verdade, isso me faz ser triste. Engraçado isso né?
Existe uma cobrança muito pesada pela vida ideal. A felicidade duradoura é uma ideia vendida pra gente como uma necessidade, assim como tantas outras coisas. E essas ideias são materiais de consumo baseadas na satisfação (rápida) e que devem ser aproveitadas de forma individual. Isso é irreal.
Apesar disso, o feed do Instagram nos diz que é possível. Os coachs nos dizem que é possível. Tudo é no plano individual.
Gosto desse vídeo de Thiago Guimarães falando sobre a necessidade de uma emancipação do coletivo:
Lembrei agora de um episódio dos Padrinhos Mágicos. Nele, Timmy pedia para que todos os desejos do mundo fossem realizados. Mas isso causou um caos. Era como se a vontade de um anulasse a do outro, sabe? Os desejos se chocavam e a “felicidade” individual se transformou em confusão.
Até onde vai minha felicidade? Ela interfere na liberdade do outro?
Talvez eu pareça contraditório agora. É que a maioria das coisas que me deixam feliz, faço sozinho. O isolamento me fez perceber isso. Mas essas coisas não se estabelecem por algo que é exterior a mim. Acontece por uma rede de valores alheia ao que dá sentido para o meu dia ou de um desprendimento do Outro.
Mudar as coisas de lugar. Organizar, mas não ao método Marie Kondo, por favor. Comprar umas besteiras e decorar a casa. Limpar os livros. Limpar os discos. Olhar minha coleção de 3x4.
Talvez até tenha uma explicação biológica para isso. Serotonina liberada.
Mas é uma coisa tão minha. Um alívio. Uma fuga. Dormir, tomar um banho quente, brincar com meus gatos, ver meus pais, ver meus amigos, comer um biscoito, comer uma coxinha, cantar alto.
O mundo é triste.
E felicidade não é sobre ser, é sobre estar.
Vou tentar outras respostas para o que é felicidade e se sou feliz:
felicidade pra mim é hoje, dia 22 de dezembro, estar junto com minha irmã comemorando mais um ano de vida dela. Todos com saúde, graças à Mariah Carey.
Não sou feliz, acredito que, por hora, não tem como. Mas estou.