Felicidade: encontrar o mundo quando saímos de um armário sob a escada

Reportagens Especiais
5 min readDec 23, 2020

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Cladisson Rafael

Os filósofos antigos, do alto de seus pedestais, acreditavam na felicidade como algo intangível, sem forma ou talvez um estado de espírito, que alimenta o físico. Num pensamento mais contemporâneo, arrisco dizer que se você souber nomear corretamente, tiver boas referências e lembranças, com certeza você dará forma à felicidade. É como, e já referenciando o bruxinho mais famoso do mundo, produzir um Patrono. Um patrono, me atrevo a dizer, é um especto da felicidade armazenado em cada pessoa e que toma forma nos momentos mais necessários. Se você tem lembranças felizes, com certeza consegue conjurar um.

Este sou eu, um rapaz latino-americano que vive no interior (foto: Matheus Cavalcante)

Eu diria que, de acordo com minhas lembranças, consigo conjurar diversas felicidades: um rapaz dançando forró (com um universo brilhando nos olhos por trás do óculos redondo); uma jovem cantando boas músicas e sendo afetuosa, cheia de abraços e carinhos e com a face brilhando de glitter; outra forte e corajosa, que gosta de churros de doce de leite e de simplicidade; mais outra, muito inteligente e sensível, que carrega alegrias e dores, mas, ainda assim, não desperdiça a oportunidade de ser uma boa pessoa e contar ótimas histórias; uma mulher que, sozinha, coloca o mundo nos eixos e gosta de aproveitar as oportunidades para crescer (mesmo já sendo gigante); um jovem amoroso e talentoso que tem um dos corações mais gentis que conheci, segurando um garfinho rosa de festa em cada mão, sorrindo.

Com esses bruxinhos e essa bruxinha, fui descobrindo meus patronos — e as lembranças felizes. (Foto: Warner Bros./Divulgação)

Todos esses patronos e as muitas lembranças que compartilhei dão forma às maiores e mais fortes magias: o amor e a amizade. Foram elas que me tiraram do armário sob a escada e me levaram à Hogwarts. Seja numa conversa virtual sobre livros, mangás e anime com uma pessoa adorável, em reuniões online para comprar livros com um leitor voraz, na troca de vídeos engraçados pela internet, conversando sobre como pintar o cabelo e qual cor, com uma pessoa muito incrível ou passar alguns minutos com minha irmã mais nova. E, como um grande boiolinha emocionado e romântico que sou, costumo acreditar que no mundo não-mágico, nossa Penseira, lugar onde revivemos nossas lembranças, é o coração.

Ainda, e não menos importante, outra magia forte e capaz de trazer felicidade, como sabemos, é a arte. Ouvir as músicas de artistas queridos como Rizzih e Lio, Lay e Jean da Tuyo, quase todos os dias, assistir as lives e prestigiar a arte que concebem, fez muita diferença. Pude compartilhar essa felicidade em grupo, com pessoas incríveis e amorosas. O Lagrimeiros2000, um grupo no WhatsApp com fãs da banda Tuyo, é como um chocolate depois de um ataque de dementadores. Faz bem.

A banda Tuyo me fez um tronquinho forte apesar da vidaloca e chata. (Foto: EDI e LETICIAHF/Divulgação)

Mesmo não conseguindo reler todos os livros da saga do bruxinho mais famoso, tive a oportunidade de ter experiências que me recordaram muitas coisas. A felicidade e a paz de espírito muitas vezes nos é arrancada pelo conhecimento da verdade. Porém, parafraseando o bruxo mais poderoso da saga e alterando um pouco o que ele disse: a felicidade pode ser encontrada nas horas mais difíceis, se você lembrar das pessoas que ama e de acender a luz.

Nicole, com quem falo sobre cabelos coloridos e sobre a vida, leu mais de 40 livros este ano

Fui falar com meus amigos e minhas amigas sobre esse negócio doido que a gente vive procurando. Com eles e elas, percebi que existem felicidades diferentes quando falamos de corpos distintos e em situações de alta pressão.

Focar e desfocar rapidamente das coisas que nos rodearam este ano foi um desafio imenso. Ainda assim, existiram pontos em que as pessoas puderam se ancorar e viver seus momentos felizes sem o fardo da produtividade sobre as costas. Por mais clichê que possa ser dizer isso, ainda sim é possível dizer: os mínimos detalhes e as coisas mais simples podem representar um grande significado na vida das pessoas.

Para Nicole Martins, 23 anos, esse “quase” foi uma questão. Mesmo com dificuldades, superar o quase e enxergar a felicidade nas pequenas coisas. E como base para direcionar o que foi dito antes aqui, o clichê tem sido o que faz as coisas ficarem melhores todos os dias. O melhor do clichê. Terminar os exercícios físicos, arrumar a casa ou dormir sem ter pesadelos são algumas das vitórias consideradas por ela: “são essas pequenas vitórias diárias que me ajudam”. A maior felicidade para ela foi ter voltado a ler e é onde ela tem procurado por esse sentimento. Leu mais de 40 livros, sem contar com as HQ’s e mangás, e, antes que o calendário termine, pode ultrapassar esse número.

Pedro ama encontrar as amigas Ariane e Laura nas videochamadas. (Foto: Arquivo pessoal)

Outras pessoas encontraram formas diferentes além de livros. Meu amigo Pedro Vinicius, 21, diz que a união, mesmo que à distância, entre as pessoas que ele ama é o que tem feito ele feliz. Para ele, as várias formas de se fazerem presentes, seja por mensagens, videochamadas ou jogos online, tem sido a alternativa para manter o contato e valorizar esses momentos.

O jovem conta que um momento muito emocionante foi no último dia de aula do semestre da universidade, quando colegas de turma abriram as câmeras e microfones na aula online e, no final, depois dos elogios sobre a disciplina, a professora se emocionou. Almério, MC Tha, Jaloo, Johnny Hooker e outros tantos artistas e suas lives também foram responsáveis por trazerem momentos de descontração e felicidade para Pedro, que sempre valorizou a arte e nos momentos de incerteza mudaram a vida dele.

A felicidade fez Edson perceber que tem boas coisas. (Foto: Arquivo pessoal)

Para Edson Sobral, 20, outro amigo, os poucos momentos felizes que teve o fizeram valorizar as coisas boas: “as lembranças, as esperanças, tocar e abraçar a minha mãe, que mora comigo; além dos livros e histórias que me fizeram viajar mesmo estando isolado em casa”. Também conta que receber qualquer notícia sobre as pessoas que conhece, amigos e familiares, ou mensagens de carinho o fizeram ter esperança de que, quando tudo isso acabar, vai “abraçar cada um dos amigos com o objetivo de nunca mais soltar”. Ele sustenta a felicidade nas lembranças dos encontros presenciais calorosos e na esperança de reencontrar quem ama.

De toda forma, seja num mundo mágico ou não, virtual ou presencial, saber que as pessoas que a gente ama estão vivas é a maior felicidade que alguém pode ter.

Mas para isso, é preciso lembrar.

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projeto de extensão do Observatório da Vida Agreste (OVA), Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA)