Felicidade deve ser um bem coletivo, não individual
Fabiana Moraes
Tem gente que jura: ficar mais velho é ir sabendo se dobrar, se tornar mais cansado, mais resignado, mais malemolente frente ao brutamontismo da vida.
Sinto o contrário: os anos passam e vou me tornando mais refratária àquilo o que é elaborado para neutralizar voz, corpo e existência dos outros. Voz, corpo e existência das outras.
Não é romantismo, é pragmatismo. A gente não vive sozinho.
De certa maneira, perceber minha incapacidade de naturalizar tiro, porrada e bomba na cabeça e no quintal dos outros me faz feliz.
Isso porque, assim como o amigo Raul, sei que não vou ficar sentada no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar.
Falar aqui sobre felicidade, ler o que a querida equipe do Reportagens Especiais escreveu a respeito — falando de si, falando dos outros — me faz pensar o quando precisamos articular esse sentimento/meta ao plano coletivo. Isso é diferente do que aprendemos.
Nossa pedagogia, principalmente aquela passada através de imagens e filtros nos quais tornamos nossa pele mais clara, nosso nariz mais fino (é assim que as pessoas mais felizes são, produção?), nos diz que ser feliz é alcançar o sucesso.
Mas o que diabos é isso, afinal de contas? Como é possível articular felicidade pessoal enquanto o mundo à nossa volta desaba? O desamparo e a desigualdade que nos circunda nos avisa há muito que não.
Este ano, um vírus veio novamente avisar.
Sim, nós podemos viver diversos momentos felizes — eles são importantes, vitais, para que a gente siga caminhando. Mas, tenho como norte, o gozo deve ser compartilhado. Todo brilho, todo amor, todo samba, também.
Felicidade? Tenho umas pílulas pessoais aqui:
Foi conhecer uma escritora, na revista piauí, que me sacudiu: Jamaica Kincaid. É dela isso aqui:
"ele está morto e eu estou viva no tempo dos mortos, sendo o tempo dos mortos o tempo em que estar vivo é uma forma de estar morto, nós estamos mortos neste momento, pois não podemos ser de todos os jeitos que somos, que são jeitos de estar vivo"
(texto completo aqui)
Felicidade foi ver meu filho completar 25 anos e mais uma vez ter certeza que acompanho a existência de um homem de coração iluminado.
Foi (e é) trabalhar ao lado de uma pessoa que admiro e amo, Moacir.
Foi ver o time que escreve neste projeto aqui crescer: Layane, Mari, Gessica, Cladisson, Marcio. São exemplos da minha fé em jovens que saem do interior no país e entram na universidade pública para fazê-la pulsar de maneira inédita, com a presença de uma população que por tanto tempo esteve longe do ensino superior.
Felicidade é dançar na sala de minha casa depois de uma semana exaustiva, agarrada com uma long neck e sozinha. Felicidade é colocar música durante horas e horas para dançar — e para ver o povo dançar:
Foi voltar até a terra onde minha vó e meu pai nasceram, Sapé, na Paraíba, para devolvê-la àquele precioso chão.
Felicidade é escrever e, mesmo que timidamente, reverberar, compartilhar, ouvir. A isso, agradeço a todas e todos vocês.
É se levar a sério — mas é não se levar muito à sério também.
É uma cuscuzeira — cheia de cuscuz, ou servindo como amplificador de caixinha de som, ou de balde de gelo para um espumante meio barato.
Felicidade é ter possibilidade.
Um 2021 com menos pestes e mais saúde pra gente.