Capibaribe: na luta por oxigênio e espaço

Reportagens Especiais
5 min readJul 10, 2022

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Patrimônio ambiental e abrigo de espécies, rio depende de uma melhor fiscalização e tratamento de água para voltar a atender a população

Maria Júlia Vieira, Maryane Martins, Maíra Welma e Maria Souza

E jamais o vi ferver
(como ferve
o pão que fermenta).
Em silêncio,
o rio carrega sua fecundidade pobre,
grávido de terra negra.

(O cão sem plumas, João Cabral de Melo Neto)

Um rio para o lixo: Quatro caçambas de pneus e noventa e sete de entulho. Oitenta e sete privadas. Dezesseis pares de sofá. Um guarda roupa. Incontáveis sacolas e isopores. Esses são alguns números de agressões ao Rio Capibaribe relativos a apenas uma coleta e informados pela Vigilância Sanitária do município de Toritama. Há um processo de captação e capinação realizado pela Prefeitura a cada 45 dias. Porém, ao longo desse ciclo, a violência se repete: chegando mais perto da água, nos encontramos com muito lixo espalhado pelas margens. Plásticos, garrafas e sacolas também provenientes de uma população que muitas vezes prefere usar o rio como cesta de lixo e desrespeita os horários de coleta. “A lavanderia é um vilão por conta da água, mas o grande vilão da terra é a população”, opina Diana Oliveira, coordenadora da Vigilância Sanitária da cidade.

Contudo, é preciso registrar que a prefeitura também tem sua parcela de culpa nesse cenário desolador. Contrariando a Lei 11.445/2007, Toritama não tem Plano Municipal de Saneamento. De acordo com o Atlas Esgoto, elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA), apenas 2,97% do esgoto da cidade é manejado corretamente. E o que não é saneado tem um destino certo: o Rio Capibaribe.

Há outro problema que se agrava com o mato alto e o acúmulo de lixo nas margens do rio: o grande número de insetos transmissores de arboviroses, doenças causadas por arbovírus e transmitidas por artrópodes, isto é, insetos e aracnídeos. As arboviroses mais comuns em ambientes urbanos são dengue, zika e chikungunya, cujo vetor é o mosquito Aedes aegypti. Entre 2015 e 2016, houve um surto de Zika no Brasil, principalmente no Nordeste, e, não por coincidência, aumentaram os números de casos de crianças nascidas com microcefalia nesta mesma região. Pernambuco foi o estado mais afetado e, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, Toritama foi o município com o maior número de casos no Agreste. Naquele momento, foram registrados 141 casos de bebês nascidos com suspeita de microcefalia no estado, uma malformação em que o recém-nascido tem o crânio pequeno. O número era dez vezes maior que os 12 registrados em 2014. Também em 2015, o Ministério da Saúde confirmou a relação entre o vírus e a malformação congênita.

Criança com microencefalia. Imagem extraída da Federal Médica Brasileira em texto sobre o zika vírus

Nos últimos três anos, devido ao período pandêmico, o número de casos de arboviroses esteve subnotificado na cidade de Toritama. Isso não quer dizer que a praga de mosquitos diminuiu, muito menos a quantidade de lixo e água parada. Principalmente em um município sem Plano Municipal de Saneamento, cuja população não é atendida por coleta seletiva de lixo e também sofre constantemente com falta de água. Para lidar com a escassez, é necessário armazená-la em recipientes pelo tempo suficiente para a reprodução do Aedes aegypti. Tudo isso comprova que Toritama ainda precisa aprender a lidar com as consequências do seu rápido processo de industrialização. Quem sabe assim, o município pare de cambalear entre o desenvolvimento econômico, a qualidade de vida e os cuidados com o meio ambiente.

UM RIO PARA OS PEIXES

Peixes como tilápia, pintado, piaba, bagre e até camarão voltam aos poucos a surgir em áreas mais limpas (fotos: Maryane Martins)

Apesar de tudo, do lixo e da poluição colorida devido ao despejo sistemático de resíduos das lavanderias e esgotos residenciais, a biodiversidade continua lutando por oxigênio e espaço no Capibaribe. Hoje já é possível, por exemplo, observar a volta de algumas espécies de peixes, que por longos períodos deixaram de aparecer naquele leito.

“O rio não está 100% morto”, diz, otimista, Diana Oliveira, coordenadora de Vigilância Sanitária. A positividade é compartilhada pelo historiador José Roque, para quem ainda acredita que é possível recuperar totalmente o rio. Isso, no entanto, só seria possível a partir de um projeto de restauração do Capibaribe. “Esse é o preço que a gente paga pelo progresso. Mas entendo que seja possível recuperá-lo”. No trecho afastado do perímetro urbano e distante das lavanderias, é possível enxergar a volta de atividades de pesca e utilização da água para o abastecimento de caminhões pipa.

Leonardo Ferreira, 38 anos, agricultor, conta que mesmo poluído, já é possível notar peixes que até então não habitavam mais aquela região, como tilápia, pintado, piaba, bagre e camarão. “Cheguei a ver peixes que não tinha visto há um bom tempo. Se todas as lavanderias tivessem continuado com tanto descarte irregular, o rio não teria sobrevivido. Os peixes estão voltando!” .

Durante décadas, a população se alimentava frequentemente dos pescados do Capibaribe

Isso só é possível, porque existe um monitoramento do descarte irregular no rio.

Essa fiscalização atualmente é realizada pela secretaria municipal de Meio Ambiente, que determina os parâmetros a serem obedecidos no controle da água que entra e sai das indústrias em conjunto com a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). De acordo com João Paulo da Rocha, secretário de Agricultura e Meio Ambiente do município, o Rio Capibaribe passa por vários problemas e a resolução deles depende de um planejamento regional. “Não adianta um município de forma separada, pensar em políticas visando a melhoria do rio, são planejamentos que devem ser feitos de forma integrada.”

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projeto de extensão do Observatório da Vida Agreste (OVA), Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA)

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